Turismo Cemiterial


Cemitérios são lugares fascinantes, cheios de curiosidades, símbolos, obras de arte e mistérios. O lugar escolhido para o repouso eterno de entes queridos pode ser também uma ilha de silêncio e paz, onde se pode repensar a vida, e caminhar por dentro de si mesmo. A arte cemiterial possui peculiaridades que convidam a uma análise minuciosa, desprovida de preconceitos.
Visite um cemitério. A morte faz parte da vida.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Morte e Poesia




Há lindos poemas e sonetos sobre a morte. Algumas preciosidades:

Cruz e Souza, por exemplo, grande simbolista, que tanto cultuou a morte:
Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Dever cumprido!
Nem o mais leve, nem um só gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.
Morre com a alma leal, clarividente,
Da Crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus brandindo
Como um gládio soberbo e refulgente.

O excelso e efêmero Casimiro de Abreu:
Que tem a Morte de feia?
Branca virgem dos amores
Toucada de muitas flores
Um longo sono nos traz;
E o triste que em dor anseia
— talvez morto de cansaço —
vai dormir no seu regaço
como num clausuro de paz.

Castro Alves pedia, profético:
Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto,
Como o viajante desse hotel funéreo.

Oliveira Ribeiro Neto é consciente do poder irreparável da morte:
Pois nada vale esforço, luto e choro,
serão todos cantores do seu coro,
que só não muda e se transforma em nada
a sempiterna de olhos de safira,
potente, alada e lúbrica mentira
pelo sonho dos homens sustentada.







Goethe é menos incisivo:
A Morte é uma impossibilidade
que, de repente,
se torna realidade.


Até aqui, versos tristonhos, pessimistas como se a morte fosse a tragédia. Há poetas, contudo, capazes de minimizar a crueza do tema.
Metastásio, por exemplo:
Não é verdade que a morte
é o pior de todos os males,
é um alívio dos mortais
que estão cansados de sofrer.

Bocage fala da "Morte dos tristes":
Ah! Só deve agradar-lhe a sepultura,
Que a vida para os tristes é desgraça,
A morte para os tristes é ventura!

Baudelaire fala da "Morte dos pobres":
É um anjo que segura em seus dedos magnéticos
O sono e mais o dom dos êxtases mais poéticos,
Que sempre arruma o leito aos pobres...

Uma curiosa e bem-humorada observação de Sofocleto nesse particular:
Os que mais morrem
são os que não têm onde cair mortos.

Nessa linha quase humorística, há uns versos de Homero, na sua Ilíada:
Eia, meu amigo, morre tu também!
Por que lamentas a sorte?
Também morreu Pátroclos, que valia
muito mais que tu!

E Nabokov sofisma:
Um silogismo:
os outros morrem.
Mas eu não sou outro;
assim, não morrerei.

E uma historinha inglesa sobre um inglês, igual a tantos:
Nasceu numa segunda
Batizou-se numa terça
Casou-se numa quarta
Adoeceu numa quinta
Piorou numa sexta
Morreu num sábado
Enterrou-se no domingo
E este foi o fim de Solomon Grundy.

Expedito Ramalho de Alencar é sucinto e objetivo, em sua clara análise da Morte no precioso Dicionário poético de sua lavra:
Morte
Término da vida, cessação
De funções orgânicas vitais.
Um nada, vazio, escuridão,
Sumiço d’amigos e rivais.
Desaparecimento do ser.
A negação do querido ente.
Eliminação do pretender
Ter existência permanente.

Há os poetas que brindam a Senhora Dona Morte com versos brilhantes como seus suas autores, quase otimismo no enfrentamento desse enigma, dessa interrogação eterna, desse mistério às vezes até bonito, apesar de tantas perplexidades.
Por exemplo, o grande Vinícius de Morais
A morte vem de longe
Do fundo dos céus
Vem para os meus olhos
Virá para os teus
Desce das estrelas
Das brancas estrelas
As loucas estrelas
Trânsfugas de Deus
Chega impressentida
Nunca esperada
Ela que é na vida
a grande esperada!
A desesperada
Do amor fratricida
Dos homens, ai! dos homens
Que matam a morte
Por medo da vida!

Ou a maravilhosa sonetista Florbela Espanca, autora de tantas belezas de sofrimento e paixão:
Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce lago
E, como uma raiz, sereno e forte.
Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má morte.
Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!
Vim da Moirama, sou filha de rei,
má fada me encantou e aqui fiquei
à tua espera... quebra-me o encanto

E grandes nomes de todas as épocas:

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!
(Augusto dos Anjos)

Não que eu esteja
com medo de morrer.
Apenas não queria estar lá
quando isso acontecesse.
(Woody Allen)

Morrer deve ser como não haver nascido
e a morte talvez seja melhor até que a vida
de dor e mágoas, pois não sofre
quem não tem a sensação dos males.
(Eurípedes)


O que é a vida e o que é a morte
Ninguém sabe ou saberá
Aqui onde a vida e a sorte
Movem as cousas que há
Mas, seja o que for o enigma
De haver qualquer cousa aqui
Terá de mim o próprio estigma
Da sombra em que eu vivi.
(Fernando Pessoa)

Não temo a morte: prefiro
esse fato inelutável
ao outro que me foi imposto
no dia do meu nascimento.
Que é a vida?
Um bem que me confiaram
sem me consultar
e que restituirei
com indiferença
(Omar Khayyam)

Versos a um Coveiro
Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!
Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!
Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais:
Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números
A tua conta não acaba mais!
(Augusto dos Anjos)

Nenhum comentário:

Postar um comentário